Em 1830, esteve à frente da Freguesia de São Vicente Férrer, na qualidade de vigário encomendado, o famoso e endiabrado Padre Alexandre Francisco Cerbelon Verdeixa que trouxe em polvorosa a pequena Vila das lavras. Escandalizou sua população, com atitudes arbitrárias e até obscenas, provenientes do seu gênio maléfico e sombrio.
Conta-se que o Pe. Verdeixa, após abençoar um matrimônio, em Lavras, dirigiu-se com a comitiva, a residência do pai da noiva, para participar do festim. Tomou parte, também, e a paisana, no sarau dançante. Bailando e rodopiando com a noiva, dava-lhe fortes umbigadas. O noivo e outros convidados expulsaram-no do recinto a pauladas. O levita silencioso escafedeu-se, transpondo, de um pulo, uma janela, e sumiu-se mata adentro. Era assim o desatinado Pe. Verdeixa. (Extraído do Livro “São Vicente das Lavras” de Joaryvar Macedo).
Outro conto do famoso Pe. Verdeixa era sua fama de levar cura para os doentes que visitava. Certa feita foi visitar uma mulher que estava com dificuldades para parir. Selou e montou no seu belo e bem cuidado cavalo alazão, seguiu para o sítio e lá chegando preparou um escapulário e colocou no pescoço da paciente, logo a criança nasceu. Então esse escapulário começou a ser levado e colocado no pescoço de doentes e por ironia do destino conseguiam a cura. Certa vez, um curioso quis saber o que existia dentro daquele pequeno pedaço de pano costurado e pendurado num cordão. Resolveu abrir, e para sua surpresa encontrou um pedaço de papel escrito os seguintes versos: “Eu passando bem com meu cavalo alazão, eu lá me importa que essa égua para ou não”.
Outras estórias que são peculiares de cidades do interior, e Lavras da Mangabeira não fugiu a regra, são as estórias de figuras lendárias, e mal-assombro que segundo a crendice popular, aparecem visões, fantasmas e almas do outro mundo. Contam que Dona Marica do Pe. Luis transformava-se, nas madrugadas das sextas-feiras, em uma ágil e possante mula a percorrer as estradas, ora escaramuçando, ora espojando-se. E muitas são as estórias de botijas no local do sobrado do Pe. Luis. Jamais, porém, alguém conseguiu desenterrá-las, pois os que tentaram fazer, altas horas da noite, se assombraram com a presença inesperada de um enorme cavalo, de um frade velho de barbas longas ou de um padre lançando labaredas pela boca. A estória de botijas é comum em todos os sítios das antigas e ricas famílias do lugar. Existem até quem diga já cavaram e encontraram riquezas, mas não pra si, sempre para os seus patrões. Toda cidade sabe que muitas foram às botijas encontradas no Sítio Tatu de propriedade de Dona Fideralina Augusto Lima, como em sua residência na cidade.
DONA FIDERALINA: NEGROS E CABRAS
(extraído do livro – Ensaios e Perfis – Joaryvar Macedo)
O Tatu, sítio de sua propriedade e sob o seu comando, apesar de apresentar uma paisagem peculiar, era semelhante a tantas outras da região, regularmente organizadas, com a casa-grande, a capela, o engenho, o açude e os casebres dos moradores, formando a central administrativa da atividade corriqueira do meio: a agropecuária. Entretanto, a referida capela, construção muito mais rara a época, nos sítios daquela zona, assim como a presença do negro, bem mais acentuada que nas demais propriedades, emprestavam ao Tatu um aspecto especial, configurando um latifúndio.
Em geral, nas conversações sobre Dona Fideralina, se lhe faz referência ao gosto ou costume de ter sempre muitos negros no Tatu. Esta particularidade da sua vida está comprovada, através so folclore poético da região. Velhas quadras populares, como estas:
O Tatu pra criar negro,
Sobradim pra criação,
São Francisco pra fuxico,
Calabaço pra algodão,
Caraíba é prata fina,
Suçuarana, ouro em pó,
Xiquexique, mala veia e o Tatu é negro só.
Cercado de negros e cabras as suas ordens, numa propriedade de ares latifundiários, detendo o poder supremo no seu município e influindo na política do Ceará, Dona Fideralina, descendente e ascendente de líderes políticos de reconhecido prestígio, transformou-se em símbolo do mandonismo sertanejo, numa das figuras de prol da história do coronelismo nordestino. Essencialmente vocacionada para o mister político, dotada de superior capacidade de liderança e dominação, forte, autoritária e brava, não seria de estranhar que sua influência extrapolasse, como de fato extrapolou, as fronteiras do seu reduto e se fizesse exercer sobre a região e o Estado.
Essa abrangente ascendência de mandona de Lavras da Mangabeira não poderia deixar de ser evidenciada, como seus negros e cabras, pela inspiração dos bardos sertanejos, intérpretes fiéis do pensamento do povo, como no caso desta sextilha, atribuída ao repentista Zé Pinto – José Pinto de Sá Barreto:
O Belém manda no Crato,
Padre Ciço no Juazeiro,
em Missão Velha Antônio Rosa,
Barbalha é Neco Ribeiro,
das Lavras Fideralina quer mandar no mundo inteiro.
MAIS UMA DO PADRE VERDEIXA
(Extraído do Livro Antologia de João Brígido – Jader de carvalho)
Um dia, o Padre Alexandre Verdeixa foi celebrar, no mato, um casamento. Como de costume seguiu-se a festa, Verdeixa que tinha confessado a noiva, foi a um canto do casebre, tomou um chifre de guardar tinta, e pondo-o na testa, saiu de baianar, fazendo – Monnn!... Monnn!... Aos pés do noivo, em forma de embigada, deixou cair o corno; e não se fez esperar, saltou na sela, e adeus noivas e noivado!
DONA FIDERALINA E SUA PARTICIPAÇÃO NA SEDIÇÃO DE 1914
(extraído do livro – Ensaios e Perfis – Joaryvar Macedo)
Tratando do assunto nas páginas de Padre Cícero, Mito e Realidade, Otacílio Anselmo informa que, não dispondo os sediciosos de Juazeiro de munição suficiente para uma luta prolongada, Floro Bartolomeu, principal comandante do movimento armado, esforçou-se por adquirir mais munição com os amigos e correligionários do Padre Cícero. Informa em artigo publicado no Unitário, de 17.07.1915, o dito Floro revelou haver Dona Fideralina remetido, naquela ocasião, cinco mil cartuchos.
Mas, para a vitória da sedição de 14, a notável matriarca, concorreu não apenas com munição, mas ainda com a coragem dos seus cabras. A propósito, o cantador Cego Aderaldo, versejando o acontecimento, não esqueceu:
Goizinho rolou no chão temendo a bala ferina, e quando ele conheceu que ali havia ruína, correu com medo dos cabras da Dona Fideralina.
A FORÇA DE DONA FIDERALINA.
A força que Dona Fideralina exercia em Lavras era de um verdadeiro coronel. A primeira foi 26 de novembro de 1907, quando seu filho, Cel. Honório Correia Lima, chefe do partido governista, foi deposto pela força do bacamarte de Dona Fideralina, que estava a frente do combate junto com seu filho Cel. Gustavo e o Intendente Municipal, Manoel José de Barros, por ela indicado para o cargo. Fato noticiado pelos jornais da época. O Cel. Honório ocupava largo espaço político com as posições conquistadas ao longo dos anos. Só esqueceu-se que aquela situação lhe fora propiciada por sua mãe, a quem cabia, de fato, o comando. A partir do momento em que Cel.Honório passou a divergir de Fideralina, foi forçado a deixar a chefia do partido. Foi deposto e substituído pelo irmão, Cel. Gustavo, detentor da confiança da mãe.
Do episódio da deposição de Honório deriva a briga de Fideralina com sua irmã Pombinha. Era privilégio da matriarca orientar os casamentos da família; destinou ela a Honório e Gustavo, as filhas de Pombinha, Petronila e Joaninha, primos em primeiro grau. E, para mal de Fideralina, o filho que ela escorraçara de Lavras era o genro preferido de pombinha, que jamais lhe perdoou a ofensa. Na primeira vez em que Fideralina perdeu o poder no município, para os rabelistas, a irmã atravessou a cidade de joelhos, em direção à igreja. Defronte ao altar de São Vicente, ficou beijando o chão em sinal de agradecimento. E quando, antes de morrer, Fideralina pediu a presença da irmã, obteve fria e dura resposta: “Se ela quer me pedir perdão, diga que perdôo”. Mas ir vê-la, diga que não vou.
TÁ AQUI QUE DONA FIDERALINA MANDOU!
Ildefonso Lacerda Leite, médico que logo depois de formado pela Faculdade do Rio de Janeiro, começou a exercer a profissão em Princesa, terra de seu pai, Luiz Leônidas Lacerda Leite, marido de Joana Augusto Leite, filha de Fideralina. Lá, Ildefonso casou-se com Dulce Campos, filha de um chefe político do município, Cel. Erasmo Alves Campos. Com esse casamento o doutor arranjou um inimigo, Manoel Florentino que desejava ter Dulce por esposa e enraivado ao vê-la se casar com um forasteiro juntou-se a José Policarpo, ex-aluno do Seminário da Paraíba e ligado ao vigário de Princesa, Pe. Manoel Raimundo Donato Pita e resolveu se vingar de Ildefonso. Em 6 de janeiro, feriado de Dia de Reis, Florentino e Policarpo mataram com uma punhalada no peito e um tiro no coração, o neto de Fideralina. O moço ia à farmácia providenciar remédios para aliviar aos antojos da mulher. Após o crime tentaram os criminosos enterrar o cadáver. Mas, por imperícia deixaram o corpo com os pés de fora. Vingança pior aguardava a dupla de assassinos!
Dona Fideralina reuniu no Sítio Tatu os cem cabras que havia conseguido juntar com a ajuda de outros coronéis da região. Tudo isso, para vingar a morte do seu neto. Ildefonso Lacerda Leite, assassinado em Princesa - Pb. A Velha Fideralina despachara seu estranho exército com a incumbência de lhe trazer as orelhas de cada um dos assassinos do neto. Não era à toa que se dizia nas Lavras que a velha do Tatu rezava toda noite num rosário feito das orelhas dos seus inimigos mortos. Depois dos seus cabras entrarem em Princesa e fazer o serviço, arrancaram as orelhas dos assassinos do neto da matriarca e disseram a célebre frase: "Tá aqui que Dona Fideralina mandou!". Esse crime de princesa, ocorrido em 1903, marca o início da projeção de Dona Fideralina para além dos sertões do Cariri, e a extensão da sua influência junto ao governo do Estado do Ceará.
FIDERALINA E SEU INIMIGO MONS. MICENO!
Herdeira de dois grandes chefes, acostumada ao poderio, não admitia oposição. Sendo preciso, esqueceria a religião e lutaria contra a Igreja. Mons. Miceno Clodoaldo Linhares, vigário em Lavras por 49 anos, de 1879 a 1925, que ousou opor-se a Fideralina, provou-lhe o ódio. Era conhecido pela sua retidão de caráter, pela facilidade para o discurso, tinha admiração do clero. Mas tinha uma mancha na vida. Quando jovem, tivera uma filha em Tauá. Fideralina levou a peito tornar público o erro do vigário. Mons. Miceno, ao partir de Lavras, profetizou que as crianças daquela época veriam a queda de Fideralina. Errou: Passou-se muito tempo até o dia em que ela, ou os seus, não conseguiram mais eleger o prefeito.
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